Pensar para Transformar: A Ética do Turismo e o Futuro das Cidades
À medida que as cidades se tornam palcos globais, inundadas por milhões de visitantes anualmente, uma questão emerge das ruas abarrotadas e dos monumentos saturados: como o turismo pode coexistir com a vida urbana sem sufocá-la? Não se trata apenas de gerenciar multidões ou preservar fachadas históricas, mas de repensar a ética do turismo — uma reflexão que exige equilíbrio entre o desejo de explorar e a necessidade de habitar. Em um mundo onde o overtourism ameaça a alma de lugares como Veneza, Barcelona e agora até Lisboa, a arquitetura e o urbanismo surgem como ferramentas cruciais para melhorar a vida nas cidades, transformando o turismo de um fardo em uma força de regeneração.
O turismo, em sua essência, é um ato de descoberta, mas sua escala atual revela um paradoxo. Segundo a Organização Mundial do Turismo, as chegadas internacionais ultrapassaram 1,5 bilhão em 2024, um número que eleva economias locais, mas também tensiona infraestruturas e comunidades. Em cidades como Dubrovnik, onde o fluxo de cruzeiros despeja milhares de visitantes diários, ou no Bairro Alto lisboeta, onde o ruído noturno expulsa moradores, o preço do sucesso turístico é pago em qualidade de vida. A ética, aqui, não é um luxo filosófico, mas uma necessidade prática: como desenhar cidades que acolham sem se render?
Arquitetos e urbanistas estão no centro dessa resposta. Projetos como o “Green Loop” em Amsterdã, um corredor verde que redireciona turistas para áreas menos saturadas, mostram como o planejamento pode aliviar a pressão sobre centros históricos. Em Portugal, a recuperação de bairros como a Mouraria, em Lisboa, com habitação acessível e espaços culturais integrados, sugere um modelo onde o turismo financia a revitalização sem gentrificar. A chave está na descentralização: criar novos polos de atração — sejam parques, museus ou mercados — que distribuam os visitantes e reequilibrem a dinâmica urbana.
A tecnologia também desempenha um papel ético. Sensores de fluxo em cidades como Barcelona monitoram a densidade de turistas em tempo real, permitindo ajustes dinâmicos, como restringir acessos ou promover rotas alternativas. Mas a solução vai além de dados: exige uma arquitetura que dialogue com a comunidade. O uso de materiais locais, como o calcário em projetos portugueses, ou a adaptação de edifícios históricos para usos mistos — pense em conventos transformados em pousadas e centros de artesanato — preservam a identidade enquanto geram benefícios compartilhados. Em Porto, iniciativas como o Mercado do Bolhão restaurado mostram como o turismo pode coexistir com a vida cotidiana, mantendo o pulsar local intacto.
No entanto, a ética do turismo não recai apenas sobre arquitetos ou planejadores — ela interpela os próprios visitantes. Campanhas como “Visite com Respeito” em cidades espanholas incentivam comportamentos conscientes, desde evitar o ruído excessivo até apoiar negócios locais em vez de cadeias globais. É uma mudança cultural que reconhece o turismo como um privilégio recíproco: o direito de explorar vem com a responsabilidade de preservar.
Pensar para melhorar a vida nas cidades, como propõe esta reflexão ética, é um exercício de imaginação e compromisso. Não se trata de rejeitar o turismo, mas de redirecioná-lo para que as cidades não sejam apenas destinos, mas lares vivos. De Lisboa a São Paulo, o desafio é o mesmo: construir um urbanismo que acolha o mundo sem perder a si mesmo, provando que a arquitetura, em suas formas mais humanas, pode ser a ponte entre o visitante e o habitante.